PROJETO POLITICO PEDAGÓGICO - PPP
APRESENTAÇÃO
O Projeto Político Pedagógico,
em sua essência é um instrumento de diálogo permanente não somente com a
comunidade escolar, mas com as bases do conhecimento e da cultura local, do
sentido que se quer transformar a realidade vivida. Isso implica em perceber no
ambiente escolar, em seu campo mais amplo (comunidade), qual o sentido que a
Educação Escolar pretende estabelecer para essa dada comunidade. Uma empresa
que demanda estabelecer também uma relação com todo o ambiente social e
cultural próximo, seja ele posto nas mais diversas escalas (cidade, bairro,
nação, mundo, etc.).
A Educação Escolar Indígena já
vem dialogando, na voz de seus representantes, há muito tempo com esta questão:
qual a função que uma escola deve adquirir dentro de uma aldeia indígena? Com
qual forma de conhecimento ela deve dialogar? Quais os métodos aplicáveis aos
seus educandos? Em que tipo de sociedade ela nos deve incluir? Enfim, até onde
iremos através desta instituição?
O Projeto Político Pedagógico
aqui posto, em especial, transparece estas preocupações na fala e nos textos
produzidos pelos próprios moradores da aldeia Itaty, e que compõe a base deste
documento. Se já é desafiador estabelecer parâmetros para o PPP em escolas já
consolidadas, mais grandioso é o desafio de se pensar o estabelecimento de uma
política educacional em uma comunidade indígena guarani, da etnia Mby’a.
Gostaria de apontar, mediante análise do material produzido pela comunidade
escolar indígena, alguns aspectos que são bastante desafiadores:
1º Oralidade Guarani: a concepção sobre a qual foi materializada a
Educação Escolar tomava como base referencial de aprendizagem o método teórico,
calçado no documento escrito. Tal tradição ocorre em vista da própria gênese
missionária e evangelizadora que esta se propunha. A escrita como forma de
restringir o acesso à informação teológica na Europa Medieval era um
instrumento de poder. Porém, naquele momento histórico, toda a cultura era
visível se tivesse registro material e, especialmente o escrito. Atualmente já
são consideradas válidas outras formas de conservação do patrimônio cultural,
porém, existe uma dificuldade especial em entender os processos de transmissão
deste patrimônio em um espaço escolar, o que no caso, ocorre na aldeia Itaty.
A escrita no guarani, para o
Guarani, é um processo recente, e que tem se tornado mais acentuado dentro do
espaço escolar. O dilema está em estabelecer métodos de aprendizagem que não
suprimam a base oral de conservação do patrimônio cultural em detrimento da
escrita. Primeiro, porque a oralidade supõe concomitantemente a corporeidade, a
força vital que se invoca, a ancestralidade, o contexto de abordagem, e
principalmente porque transforma o conhecimento no próprio sujeito, pois é ele
quem fala. A escrita, sob este aspecto é mais limitada, pois o documento
escrito não fala por si, e para o guarani, ele não fala nada, pois não é ele
quem fala. Devido ao hábito oral guarani, também não se identifica quem fala
através do documento, e portanto limita-o à um objeto desumanizado.
2º Predestinação: outro ponto fulcral para problematizarmos a escola
na aldeia guarani é o elemento de predestinação que tangencia a educação
infante. Dentro da concepção guarani, a criança é manifestação de outra
dimensão astral. Não é totalmente deste mundo, e deve ser entendida como um
espírito livre a ser “humanizado” naturalmente. A repercussão desta concepção
de cunho religioso no espaço escolar é algo próximo de uma educação Naturalista
(Bohn-2007. Pg. 131), em que a formação da criança não se dá pela razão, mas
pela livre “ação da natureza”. Isso cria um desconforto em especial quando
pensado dentro do espaço escolar, pois a própria escola, da maneira como
institucionalmente foi concebida, reflete o espírito da transformação pela
razão, e portanto, pela ação humana. Algo que implica na prática em um profundo
redimensionamento metodológico.
3º
Questões de gênero Guarani: este
aspecto chama atenção basicamente em função de que as mulheres – kunhá – tem
uma relação íntima com os ciclos da natureza, manifestos em seu período
menstrual. A ideia de ciclos não repetidos (espiral) está presente na
cosmovisão Mby’a, na qual o feminino está permeado. Por esta razão, existe um
período de reclusão ritual que deve ser respeitado.
4º
Política local: na escola indígena
pulsam as manifestações e as tensões políticas vividas pela comunidade. Ao
contrário do que parece, essas manifestações são profundamente positivas, pois
enriquecem e amadurecem o processo de gestão da comunidade, e igualmente, da
gestão da escola. Mas isso implica também em considerar que existem oscilações
no ritmo da comunidade escolar, pois a escola torna-se o centro onde são
discutidos os aspectos imanentes ao poder local. Isso se reflete na adesão dos
alunos às atividades escolares e na sua interação com o espaço escolar.
Estas
questões estão colocadas de maneira autoral nos textos que seguem adiante. Cabe
neste caso entender a repercussão de tais questões culturais no espaço escolar.
Existe claramente uma visão de resistência a determinado tipo de modelo escolar,
pois se entende, na visão da comunidade como algo que descaracterizaria
elementos importantes da cultura. Essa descaracterização se daria não somente
por determinados tipos de conteúdos, mas pela forma de transmissão e pelas
relações de trabalho e poder praticadas dentro de uma escola.
FUNÇÕES
DA ESCOLA
A escola indígena na
aldeia morro dos cavalos assumiu uma função veicular, tanto para os indígenas
que estão dentro dela, quanto aos governantes que estão do lado de fora.
Para os indígenas é um
veiculo de revitalização da cultura onde as atividades são realizadas para
fortalecer a língua dentro e fora da sala de aula. Os ensinamentos muitas vezes
são repassados nas cerimônias e na casa de reza, onde todos os alunos e
familiares participam. Os conhecimentos milenares são repassados ás crianças na
forma de rituais na opy sendo ministrados somente na língua materna, juntamente
com os cantos, as danças, as curas, as consagrações e todos outros rituais
existentes na cultura guarani. Na sala de aula a maior parte das aulas também é
ensinada em guarani na fala e na escrita.
A escola possui uma
ortografia guarani que é aquela que a maioria dos professores guaranis do
Brasil usam, mesmo não tendo uma ortografia oficializada. Quase todos escrevem de
maneira parecida.
A importância dos mais
velhos em sala de aula é fundamental na nossa escola, pois é a essência do
ensino e aprendizado. É deles que todos recebem todas as orientações de como
valorizar e manter viva a tradição e de como repassarmos.
CONSIDERAÇÕES
SOBRE A EDUCAÇÃO GUARANI:
Uma criança guarani, ao nascer, é recebida pela família e pela
comunidade como se estivesse chegando de uma longa viagem. O respeito pelo
recém nascido é como se fosse para uma pessoa idosa. A criança humana é
considerara como se fosse somente um ser vivo de estimação da família e da
comunidade: uma ave recém nascida, ou uma outra criatura, mas o espírito da
criança é considerado como uma pessoa normal que pensa, anda, fala, sente
saudades e tem curiosidade.
No mito, a criança come tudo o que uma outra pessoa da família
come, segue os passos dos membros da família e tudo o que acontecer com a
criança espírito, a criança humano revela através de seu comportamento: chora,
se abate, tem pesadelo e outros comportamentos estranhos. Os membros da família
têm que falar, com o espírito da criança e explicar em detalhes cada tarefa que
está fazendo ou vai fazer. Um membro da família, não pode comer carne, ou beber
bebidas forte que o espírito da criança também participa e pode ficar muito
enferma por que a criança ainda não está preparada para comer ou ingerir
alimentos fortes.
Por este motivo, os irmãos do recém nascido não comem qualquer
alimento até passar de uma lua à outra. A mãe e o pai também não podem comer
por causa da saúde da criança. A criança cresce no colo da mãe participando de
todas as tarefas diárias da mãe. Hoje, em nossos dias, as crianças guaranis não
seguem mais essa cultura e não respeitam mais esses mitos. Comem de tudo na
escola, mesmo não podendo comer nesse momento de proibição.
Quando a criança começa a engatinhar, as outras crianças da
comunidade ajudam a cuidar da criança. O aprendizado da criança é contínuo e a
mesma dá a prova de sua graduação sem que seja posta em prova. É um processo
natural sem imposição.
O tempo de formação da criança é estabelecido pela natureza.
O tempo da criança, não tem limite e suas obrigações para com a
comunidade são cumpridas conforme sua possibilidade e sempre em conjunto com
pessoas mais velhas.
Ele aprende imitando as práticas das pessoas com quem convive.
Todas as pessoas mais velhas da comunidade têm o direito de ensinar e
repreender quando uma criança faz coisas erradas inocentemente. Os mitos
contados na aldeia servem para evitar que as crianças desobedeçam às pessoas
mais velhas.
Os mitos são fundamentais para a educação da criança porque
inspiram temor e respeito e transformam em regras para a religião.
As pessoas mais velhas da aldeia repassam o conhecimento das
leis da natureza, através das lendas e mitos. O tempo é contado através dos
fenômenos naturais: floração das plantas, colheita, calor, frio e fases da lua.
O tempo da formação da criança se dá num período natural (faixa etária). Em
cada faixa etária se dá uma avaliação do aprendizado da criança.
CONSIDERAÇÃO
SOBRE A CULTURA GUARANI:
O
povo guarani não vive por instintos, ele tem uma cultura e essa cultura não é
estática.
O guarani pode aprender e viver outra cultura sem deixar a sua
própria, o que não pode perder é os valores que a cultura guarani conserva
estática.
Toda cultura sofre por transformação e adaptações por
influências de outras culturas. Toda cultura tem dois lados, um positivo e
outro negativo.
A religião tem o dever de levar um povo e sua cultura a
preservar o lado positivo (valores).
Quando um povo perde sua religião, com certeza perderá seus
valores.
Olhando para o sistema de educação das escolas dos não
indígenas, ficamos com receio que no futuro nossas crianças sejam influenciadas
por esse sistema e as nossas aldeias se transformem em um sistema de favela e
de marginalidade. Infelizmente, é o que vem acontecendo com algumas aldeias
onde o alcoolismo já tomou conta de homens, mulheres, adolescentes e crianças.
A escola na aldeia indígena tem que ter um currículo e objetivo
específico para cada povo. E quem terá que construir o sistema, é a Secretaria
de Educação juntamente com os professores índios e comunidade. O sistema deverá ser específico para cada povo e ter um
profissional capacitado para trabalhar com o diferenciado, na secretaria de
educação de cada regional, para trabalhar especificamente com as escolas
indígenas.
Direitos dos povos indígenas e deveres do Estado:
Constitução federal de 1988
Convenção 169
LDB=leis de diretrizes e base na educação nacional
Parecer 282
Com o advento da Lei n° 9.394/96, estabelece-se as
Diretrizes e Base da Educação Nacional, completando-se a legislação educacional
da Constituição Federal de 1988. No Titulo VIII, que trata das Disposições
Gerais, encontramos os artigos que tratam especificamente da educação escolar
indígena:
“Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração
das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios,
desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação
escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes
objetivos:
I -
proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas
memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização
de suas línguas e ciências;
II - garantir
aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos
técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e
não-indigenas.’’
Daquilo que a LDB estabelece com relação ao calendário escolar,
cabe ressaltar que o mesmo deve adequar-se às peculiaridades locais, inclusive
climáticas e econômicas. A escola pode organizar-se de acordo com as
conveniências culturais, independentemente do ano civil.
Neste sentido, o Artigo 23, da LDB trata da diversidade na
organização escolar, que poderá ser organizada por séries anuais, períodos
semestrais, ciclos, alternância regular de períodos, grupos não seriados por
idade e outros critérios, diz o artigo:
“Art. 23. A
educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais,
ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com
base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de
organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o
recomendar.’’
Tal flexibilidade é extremamente bem-vinda no caso das escolas
indígenas por permitir inovações originárias de concepção e práticas
pedagógicas próprias dos universos socioculturais onde elas se situam sempre no
interesse do processo de ensino e aprendizagem (RCNEI Pg 32, 33 e 34. Fonte:
Referencial Curricular Nacional para as escolas indígenas.).
Portanto, se a lei nos garante esse direito, não tem
porquê a Secretaria de Estado de Educação negá-lo às comunidades indígenas e
insistir em obrigar os indígenas a se manter dentro de um padrão de escola
nacional.
Desde que os Jesuítas começaram a alfabetizar os indígenas do
continente Sul, o sistema de escola na aldeia tem como objetivo globalizar as
culturas e acabar com as etnias, e os negros e nativos do Brasil têm sido
vítimas desse sistema.
CONSIDERAÇÕES
SOBRE O TEMPO GUARANI:
O tempo na cultura guarani é baseado nos fenômenos da natureza.
Por esse motivo a escola não deve avaliar o aluno por tempo
limitado em ano fechado e um sistema inflexível.
O sistema de avaliação das pessoas da aldeia se dá por nível de
conhecimento.
A avaliação é contínua e a aprovação se dá a partir da prova de
conhecimento que a pessoa vai demonstrando voluntariamente no decorrer do
processo e das práticas do aluno nas tarefas.
E esse sistema de currículo deve ser elaborado pelos
professores, comunidade e Secretaria de Educação (GERED), assessorados por
antropólogos.
Os professores juntamente com os demais, irão determinar quais
os conteúdos o aluno deverá saber para chegar o primeiro nível de conhecimento
e assim sucessivamente.
O sistema de nível de conhecimento não reprova os alunos.
O aluno só passará para um próximo nível se atingir o nível
proposto no projeto sem ter que ser interrompido por limite de tempo (ano
letivo).
Volto a repetir: reprovar um aluno no final de duzentos dias
letivos é uma punição para o mesmo.
No currículo escolar, não se pode fragmentar o ensino, quando no
cotidiano a pessoa associa todas as atividades sem limitar por etapas. Quando
está trabalhando na comunidade a pessoa pesquisa o espaço geográfico, constrói
sua história, contabiliza, faz descobertas e trabalha a arte.
O conhecimento técnico nacional deve ser oferecido aos guaranis
partindo sempre do conhecimento guarani, seguindo sempre o sistema de tekoá (modo
de vida coletiva e conhecimentos cósmicos e mitológicos), respeitando os
conceitos de tempo, espaço e pedagógico dos guaranis.
A
partir da escola na aldeia, queremos inserir a educação indígena na escola e
não a escola na educação indígena.
Uma escola que dê apoio a educação indígena, respeitando seus
devidos valores culturais, dinâmica e profissionalizante.
De qualidade, que qualifique os membros da aldeia para que sejam
eles os profissionais em todas as funções exercidas na terra indígena.
Uma escola profissionalizante e conscientizadora do modo de vida
guarani, conservadora do nosso tekoa, de qualidade guarani.
Formar pessoas conscientes dos valores encontrados na religião,
na medicina guarani, na luta pelos seus direitos. O que não é escola de qualidade
para os não indígenas é para nós guarani. Não queremos estudar para competir e
sim para trabalhar dentro da própria terra indígena onde estamos inseridos.
Sendo assim, a escola que queremos deve trabalhar com currículo
para profissionalizar em todas as áreas indicadas pela comunidade.
Que as pessoas anciãs possam estar dentro da sala passando seus
conhecimentos às mais jovens, ensinando na prática a elaborar materiais
pedagógicos, comidas típicas para os rituais, composições de remédios,
instrumentos usados na cultura, artesanatos, artefatos para o uso doméstico e
tudo o que for de importância para ser um guarani consciente dos valores,
resgatando e preservando o tekoa.
Que ensine o português para que possamos entender os não
indígenas, estudar suas leis, conhecer nossos direitos, perguntar e responder,
cobrar e exigir o cumprimento das mesmas, mas que a língua guarani seja a
prioridade dentro da sala de aula, com professores guaranis para que os
conteúdos dados sejam repassados com clareza.
Enquanto não tiver professor guarani formado para dar todas as
aulas terá que ter professor Juruá e professor da língua guarani na sala de
aula para melhor esclarecer os conteúdos e ensinar a escrita e dirigir as
pesquisas dentro e fora de sala de aula.
O diretor da escola terá que ser sempre um guarani que entenda a
cultura, saiba administrar dentro da escola e saiba enfrentar os problema
burocráticos com relação a educação. Os professores Juruá não terão o direito
de impor costumes de fora da aldeia nem querer mudar a cultura guarani, mas
antes terá que ler o PPP, promover reuniões com pais de alunos, discutir com a
comunidade sobre cultura e o regime interno da aldeia. A escola funcionará em
três períodos: matutino, vespertino, e noturno, respeitando as necessidades dos
alunos (crianças, jovens, adultos e adolescentes).
A merenda será servida para todos os alunos de todas as
modalidades da escola: crianças, jovens, adultos e adolescentes contando que
estejam estudando e em qualquer turno.
A escola será comunitária, coletiva, profissionalizante e mais
dinâmica.
Profissionalizante, com sistema de cursos de formação de aluno
(Adultos).
Que não seja necessário passar por uma faculdade para fazer uma
profissão.